A RIVALIDADE ENTRE ARÁBIA SAUDITA E IRÃ E SEU IMPACTO NO ORIENTE MÉDIO

A RIVALIDADE ENTRE ARÁBIA SAUDITA E IRÃ E SEU IMPACTO NO ORIENTE MÉDIO

A região do Oriente Médio, que pode abranger diferentes configurações a depender da interpretação, é palco de muitas disputas que são frutos tanto da interferência estrangeira, quanto de relações mais ou menos amistosas entre os países. Na atualidade um dos vínculos  que mais chama atenção, por sua importância e impacto na região, é entre Arábia Saudita e Irã. Esta recentemente ganhou destaque depois do acordo firmado em março de 2023 que restabelece as relações diplomáticas dos países, por intermédio da China.

O Histórico da relação entre os países

O início das relações entre os países remonta à criação da Arábia Saudita. A primeira metade do século XX é caracterizada por uma necessidade de estabelecer relações amistosas pela proximidade geográfica e religiosa com o Irã. Isso porque a Árabia Saudita, berço do Islã, abriga a cidade para qual os muçulmanos (em condições para tal) devem peregrinar ao menos uma vez na vida, Meca. Apesar de tal entendimento, alguns estranhamentos fizeram parte da relação ao longo dos anos, sobretudo por questões relativas ao estabelecimento do  Estado de Israel e o descontentamento da Arábia Saudita com a falta de posicionamento do Irã, à época um grande aliado dos interesses dos Estados Unidos (EUA) na região (Cherem, 2019).

Durante a segunda metade do século XX, especialmente a partir de 1970, houve um período bem sucedido de aproximação diplomática. Todavia, isso passa a se deteriorar a partir de uma tentativa iraniana de expandir sua influência, resultando na reivindicação de três ilhas localizadas no Estreito de Ormuz, o que suscitou preocupações dos sauditas com a projeção de poder iraniano sobre a região. Outros dois fatores importantes são a aproximação entre o regime egípcio e a Arábia Saudita, e um certo ofuscamento do Irã, e o embargo do petróleo de 1973 que foi articulado dentro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) com liderança da Arábia Saudita, não contou com apoio Iraniano que se absteve. Apesar das divergências, a prevalência de questões econômicas mantiveram os laços entre os países (Cherem, 2019).

A Revolução Iraniana de 1979 foi crucial para entender o ponto de virada na relação saudita-iraniana. Este evento marcou uma mudança no regime iraniano, que deixa de ser uma monarquia e se torna uma República Islâmica Xiita com forte discurso anti-monárquico, agora fortemente oposto à interferência ocidental, sobretudo estadunidense, na política regional. Na tentativa de manter as relações econômicas, o Rei Khalid legitimou o novo governo, marcando um primeiro ano de instabilidades, porém com as relações ainda existentes. É com a Guerra Irã-Iraque que elas se deterioram de vez, visto que a Arábia Saudita, tendo se aproximado de Saddam Hussein, confere apoio e financiamento ao Iraque (Cherem, 2019).

O fim da guerra e alguns eventos como a invasão do Kuwait, a morte de Khomeini (líder da Revolução Iraniana) e a queda da União Soviética ofereceram um vislumbre de uma possível reaproximação entre sauditas e iranianos (Cherem, 2019). Essa tendência não se concretiza visto que, com a declarada Guerra ao Terror e a invasão do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, pelos EUA, o Irã ganha relevância na região, já que depois da invasão, o Iraque nunca reconquistou o posto de principal opositor ao seu vizinho Irã (Costa, 2018).

As disputas geopolíticas recentes

A Primavera Árabe, iniciada em 2011, foi um evento que marcou uma onda de manifestações em diversos países que exigiam reformas políticas em governos autoritários. O início ocorreu na Tunísia, as movimentações se ampliaram para diversos países, alguns foram contidos e não tiveram continuidade, como na Arábia Saudita, e outros tiveram força tamanha que configuraram conflitos que ainda estão em curso, como na Síria e no Iêmen. Mesmo com os diferentes resultados, essa movimentação gerou uma instabilidade ainda maior na região, favorecendo a fragilidade dos governos, bem como uma oportunidade de intervenção das potências regionais em conflitos internos (Costa, 2018). 

O Bahrein, dada sua relevância histórica para a relação entre os países, é considerado por Tzemprin (2015) como o epicentro dessa competição, o país possui uma população de maioria xiita, mas é governada pela minoria sunita. Enquanto o Irã apoia a maioria xiita, a Arábia Saudita possui fortes laços econômicos e políticos com a família Al-Khalifa (governante do Bahrein e sunita). A disputa pelo Bahrein, que é reivindicado pelo Irã, é histórica, e tem desdobramentos atuais, como durante as manifestações da Primavera Árabe quando o Irã foi acusado de oferecer suporte aos manifestantes xiitas. Isso levou o oponente saudita a enviar tropas para apoiar a manutenção dos sunitas no governo, e apesar do possível escalonamento do conflito para uma guerra por procuração, o mesmo perdeu força com o tempo (Costa, 2018).

Moraes (2015) aponta em seu trabalho alguns tópicos relevantes que são impactados pela rivalidade entre as duas potências, sendo estes: a Guerra entre Israel e Palestina, o programa nuclear iraniano, a guerra na Síria e no Iêmen, além da intervenção no Bahrein previamente elucidada. Sobre o primeiro ponto tem-se que o Irã (depois da Revolução), assim como muitos países da região, encaram a existência de Israel como uma ameaça, e não o reconhecem como um Estado legítimo. Em busca de projetar sua influência na região, passa a apoiar a causa Palestina1, o que suscita consequentemente a inimizade com Israel. Por outro lado, a Arábia Saudita assume uma posição mais contida com relação às críticas ao país judeu, buscando barganhar benefícios a partir da proximidade com os EUA (Alkhshali, 2024; Olmo, 2024).

Sobre o projeto nuclear do Irã, o mesmo é fruto de muita desconfiança por parte tanto dos países da região, como dos países ocidentais. As justificativas do governo iraniano para a necessidade de desenvolvimento da tecnologia nuclear residem em sua função como matriz energética. No entanto, há especulações, pela falta de transparência, de que essa tecnologia esteja sendo utilizada no setor bélico como uma espécie de corrida militar para fazer frente à Arábia Saudita, além de Israel, Paquistão e Índia, sendo os dois últimos importantes potências nucleares (Moraes, 2015).

A Síria é considerada um território estratégico de grande importância para o Irã, que com a eclosão da Guerra Civil em 2011 saiu em prol do governo Assad. Vale ressaltar que a relação entre Damasco e Teerã remonta ao período pós-Revolução Iraniana, por meio de um alinhamento de interesses de defesa. A Arábia Saudita, se utilizando do conflito para buscar enfraquecer a influência iraniana, apoia o lado contrário, na tentativa de manipular a revolução em prol de seus interesses. O envolvimento das potências no conflito é um fator de importância para o enfraquecimento do país e sua fragilização, que permitiu a entrada do Estado Islâmico, bem como para a manutenção do cenário conflituoso, sem previsão de que se resolva (Moraes, 2015).

O caso do Iêmen é uma importante representação do que a rivalidade e disputa pela Balança de Poder regional ocasionou na região. Mesmo se tratando de um dos países mais pobres economicamente, tem uma localização estratégica de muito interesse aos outros países, pois controla o Golfo de Aden e o estreito que o conecta com o Mar Vermelho. O conflito no Iêmen é de grande interesse para a Arábia Saudita, que faz fronteira com o mesmo na porção sul de seu território. Entende-se que desde a unificação do país, em 1990, o cenário político do país é de extrema instabilidade, mas é em 2011, com as manifestações intensificadas contra o governo que é escalado para uma guerra civil. A fim de conter os apelos por reforma da população, a Arábia Saudita entra em prol do governo iemenita, enquanto os iranianos apoiam os rebeldes Houthis (Moraes, 2015).

Figura 1 – Localização do Iêmen

Fonte: Google Maps

A intermediação chinesa para reconciliação

Em março de 2023 Arábia Saudita e Irã anunciaram à Comunidade Internacional que iriam restabelecer as relações diplomáticas depois de sete anos, o acordo foi mediado pela China. Foi projetado também a reimplementação de um pacto de segurança estabelecido em 2001, bem como um acordo de cooperação de 1998, os temas que serão abrangidos vão desde terrorismo, tráfico de drogas, até mesmo questões de economia, educação e etc (Salem; Pourahmadi; Ebrahim, 2023). 

As relações entre Riad e Teerã estavam rompidas desde 2016, quando em um ato de manifestação contra a execução de um clérigo xiita na Arábia Saudita, alguns iranianos invadiram a embaixada saudita na capital do Irã. Essa reaproximação é tida por ambos países como um importante ato estratégico, para projetar os interesses nacionais próprios que podem ser beneficiados diante de uma relação mais amistosa (Salem; Pourahmadi; Ebrahim, 2023).

Outro ponto que chama muita atenção para o acordo é o fato de o mesmo ter sido mediado pela China, dado que Omã e Iraque também estavam atuando para servir como mediadores dessa normalização. Entende-se que essa empreitada chinesa no Oriente Médio é um importante mecanismo estratégico para fazer crescer sua influência em uma região que é historicamente influenciada pelos EUA (Yesiltas, 2023).

Está em jogo também o fator econômico, sobretudo no que tange o abastecimento energético que é extremamente importante para um país com uma economia tão grande como a chinesa. O gigante asiático depende de petróleo estrangeiro, e é o maior comprador tanto da Arábia Saudita quanto do Irã. Este é um mercado que movimenta milhões de barris por dia, e possui um grande impacto nas duas economias. A reconciliação, portanto, é um fator importante em termos econômicos por facilitar o envolvimento econômico chinês com os dois atores, bem como conferir às relações econômicas um teor político também (Salem; Pourahmadi; Ebrahim, 2023; Yesiltas, 2023).

Figura 2 – Conselheiro de segurança nacional da Arábia Saudita, chanceler da China, e secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã, celebram acordo de reaproximação.

Fonte: Reuters

Conclusão

Em suma, as relações entre Irã e Arábia Saudita possuem um forte componente histórico que nem sempre foi de inimizade, no entanto, com os desdobramentos internos e externos caminharam para o rumo da disputa pela hegemonia regional. As últimas movimentações dessa relação apontaram para um vislumbre de normalização. Inicialmente foi anunciada a reabertura das embaixadas em ambos países, e promessas de visitas dos líderes ao outro país. Todavia a reaproximação parece caminhar lentamente e ainda não apresenta efeitos sobre os  conflitos e questões acima elucidadas. 

Se faz necessário ressaltar que as projeções sobre impactos da normalização da relação entre Irã e Arábia Saudita sobre os conflitos nos quais estão envolvidos devem ser feitas com ponderação. Isso porque, apesar de sua influência ser importante para ampliar seu teor destrutivo, tais eventos ainda contam com motivações domésticas que são alheias ao fator externo. Entende-se que atores internacionais podem manipular questões internas aos países em prol dos próprios interesses, mas as relações de rivalidade não cessarão com facilidade apenas com a retirada estrangeira do conflito.

Outros impactos acerca dessa reaproximação carecem de ações concretas e dependem de um afastamento temporal para poder projetar possíveis frutos.

  1.  Por causa Palestina entende-se a afirmação do direito dos Palestinos de ter seu território reconhecido e respeitado diante de ações israelenses que por muitas vezes ferem acordos estabelecidos no âmbito internacional. ↩︎

Referências

ALKHSHALI, Hamdi. Arábia Saudita diz que não terá relações diplomáticas com Israel sem um Estado palestino independente. CNN. 7 fev. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/arabia-saudita-diz-que-nao-tera-relacoes-diplomaticas-com-israel-sem-um-estado-palestino-independente/. Acesso em: 10 abr. 2024.

CHEREM, Helena. A Guerra-Fria Do Oriente Médio: Irã e Arábia Saudita na balança de poder regional após a Primavera Árabe. 2019. 103 f. TCC (Graduação)– Curso de Relações Internacionais, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/201024/HELENA%20CHEREM.pdf?

COSTA, Beatriz P. Arábia Saudita e Irã: rivalidade e disputa pela hegemonia no Golfo Pérsico. ÎANDÉ : Ciências e Humanidades, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 72–84, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufabc.edu.br/index.php/iande/article/view/44. Acesso em: 10 abr. 2024.

MORAES, Elize Carpes. Irã X Arábia Saudita. Relações Internacionais: Florianópolis, 2015. Disponível em: https:// repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/10749. Acesso em: 10 abr. 2024.

Yesiltas, Murat. A normalização das relações entre o Irão e a Arábia Saudita e a China. TRT. 15 jun. 2024. Disponível em: https://www.trt.net.tr/portuguese/programas/2023/02/07/produtos-com-indicacao-geografica-da-turkiye-tapete-de-seda-hereke-1943306. Acesso em: 26 jun. 2024.

OLMO, Guillermo D. Qual a origem da rivalidade entre Israel e Irã e como ela está sendo intensificada pela guerra em Gaza. BBC. 8 abr. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpd3g30y2j4o. Acesso em 10 abr. 2024.

Salem, M.; Pourahmadi, A.; Ebrahim, N. Arquirrivais, Arábia Saudita e Irã concordam em encerrar anos de hostilidades. CNN Brasil. 10 mar. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/arquirrivais-arabia-saudita-e-ira-concordam-em-encerrar-anos-de-hostilidades/. Acesso em: 26 jun. 2024.

TZEMPRIN, Athina; JOZIĆ, Jugoslav; LAMBARÉ, Henry. The Middle East cold war: Iran-Saudi Arabia and the way ahead. Croatian Political Science Review, Vol. 52, n. 4-5, 2015, pp. 187-202. Disponível em: https://hrcak.srce.hr/159926. Acesso em: 10 abr. 2024.

Jéssica Felix Nascimento de Souza

Graduanda do 8° período em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia e co-fundadora do GEOM (Grupo de Estudos em Oriente Médio). Me interesso por temas que envolvam região do Oriente Médio e Guerra Civil, por isso meu tema de pesquisa é a Guerra Civil no Iêmen.

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