SETOR INFORMAL DE TRABALHO E AS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO NA ARGENTINA

SETOR INFORMAL DE TRABALHO E AS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO NA ARGENTINA

A Argentina, como muitos países em desenvolvimento, enfrenta o desafio do setor informal de trabalho, assim como as oscilações de estratégias para o desenvolvimento. A partir desses tópicos será analisada a questão do ‘neodesenvolvimentismo’1 na América Latina, especificamente, na Argentina, seus altos e baixos e seus impactos no setor informal de trabalho dando ênfase nas lições e mitos na perspectiva histórica do desenvolvimento nas grandes potências no sistema internacional.

ASPECTOS GERAIS DA ARGENTINA CONTEMPORÂNEA

No começo do século XX foi possível notar grandes mudanças no sistema capitalista e  dentre essas alterações se destacam: aumento no preço das commodities, baixa taxa de juros, crescimento do comércio internacional e expansão contínua da produção industrial asiática, dando destaque para China que começava a se colocar como uma das grandes potências econômicas do mundo. Nessas circunstâncias, os países latino-americanos puderam implementar medidas mais ‘desenvolvimentistas’ ao invés de políticas ortodoxas2. Iniciando assim uma fase de expansão capitalista na América Latina por volta dos anos 2000 (Chang, 2004). 

FONTE: Imagem de Gerd Altmann por Pixabay | iStock / Getty Images Plus

É preciso perceber também que a estrutura produtiva dos países latino-americanos é  um assunto mais profundo do que apenas valorização e/ou desvalorização cambial e está longe de ser resolvido. A estrutura produtiva da Argentina é uma delas, que implica forte dependência de bens de capital importados, levando ao crescimento da economia a condicionar um desequilíbrio externo, independente da taxa cambial, além da importância da exportação de commodities, o que economistas estruturalistas como Marcelo Diamand (1985) chamam de ‘pêndulo argentino’3. Ademais, existe o fluxo de capitais internacionais criando condicionalidades de alto nível de endividamento externo que devem ser vistos como característica estrutural das economias latinas. 

Durante a crise de 2001, a economia argentina passou por um momento delicado, tendo implicações em: confisco de depósitos bancários, paralisação dos pagamentos de dívida, massificação do desemprego, explosão da pobreza e destruição da  indústria nacional. Todavia, o sistema foi reconstituído em 2003, no governo de Néstor Kirchner, recompondo a autoridade do Estado e promovendo recuperação do país. Com o afastamento das políticas neoliberais e o fortalecimento do Estado foi possível fazer mudanças e promover um rápido crescimento (Colombini Neto, 2016). 

O crescimento argentino tem como um dos principais fatores o crescimento do consumo privado, sendo vinculado a dois fatores: forte aumento de crédito de consumo e aumento da renda. O último está associado ao aumento do salário real e à redução do desemprego devido a mudanças adequadas nas políticas institucionais de negociação salarial, com gastos autônomos do governo e as políticas sociais e distributivas, ou seja, aplicando a combinação de desvalorização cambial e políticas fiscais expansionistas não resultou em um aumento significativo da inflação. Conseguindo estabilizar a economia com reconstrução do poder das classes dominantes e conferir melhorias sociais e democráticas. Com o afastamento das políticas neoliberais e o fortalecimento do Estado foi possível fazer mudanças e um rápido crescimento (Colombini Neto, 2016).

É de notoriedade que esse movimento para o desenvolvimento veio com a alteração da divisão do trabalho, ampliando a intensa disputa social interna da Argentina. Por isso, assim como o ambiente externo foi relevante para o processo, será de fundamental importância a movimentação dos movimentos sociais e grupos econômicos do país. Essa relação começou a  se apresentar de forma diferente, tradicionalmente, na economia argentina existe um conflito entre a burguesia nacional, grupos de agroexportadores e a classe trabalhadora  (Colombini Neto, 2016). 

A classe trabalhadora durante a expansão do neoliberalismo e de compressão dos ganhos sociais com fortalecimento nunca visto antes das lutas e da sua combatividade. No país houve uma nova configuração dessas lutas, especialmente com os piqueteros e Unión de Trabajadores Desocupados (UTD, sigla em espanhol), mesmo com o fortalecimento dessas lutas existe uma clara alteração no conteúdo, deixando de ser contra o capital no geral para uma disputa por melhores condições de vida, que estaria na figura do Estado  (Colombini Neto, 2016). 

Segundo Colombini Neto (2016),

A alteração da substância dos movimentos sociais não é algo exclusivo da Argentina, muito menos pontual.[…]O movimento sindical se instrumentaliza para agir dentro do Estado e dessa forma lutar por maiores garantias de consumo para sua classe. A percepção desse movimento de alteração dos conflitos sociais na estrutura do capitalismo advém da esfera internacional, ou seja, dos avanços do próprio sistema capitalista em geral.[…]

O Nacional Desenvolvimentismo na América Latina, na óptica social, teve papel essencial na garantia de direitos trabalhistas, o que representou uma alta nos níveis do salário real e do crescimento de demanda agregada. O governo interviu mais nas determinações de taxas de lucro e de salário por meio da formalização dos direitos trabalhistas e de políticas intervencionistas nas estruturas produtivas, como câmbios múltiplos como com o estabelecimento de empresas estatais em alguns setores. No entanto, apesar da importância da classe trabalhadora, a forma é diferente de intervenção em questões sociais (Colombini Neto, 2016). 

Durante a recuperação da economia argentina, foi de extrema importância a estabilidade entre as classes e o estado de cooperação entre o Estado e a classe trabalhadora. Até o final dos anos 2000, denomina  esse momento de “período de ouro” do novo desenvolvimento argentino, com altas taxas de crescimento econômico, inflação controlada e coalizão social. Em 2008 essa  apresentação chegava ao seu limite, porque as principais contradições do modelo ficaram claras.

A diferenciação do período está na forte coalizão das políticas sociais internas, somado ao período anterior à crise de 2008, com fortes fluxos de capitais internacionais e pelo crescimento da China, que provocou elevação dos preços das commodities e permitiu um conjunto de políticas fiscais expansionistas e distributivas. No entanto, essa formação específica não será sustentada durante toda a década diante das mudanças político econômicas. Tendo como marco a disputa entre o grupo agroexportador e o governo, com o aumento dos preços das commodities os agroexportadores queriam ampliar as exportações e o  governo queria aumentar o poder de compra da população (Colombini Neto, 2016). 

A nova reformulação do campo argentino também interferiu nessa dinâmica. A forte concentração e saída dos pequenos proprietários para a cidade através de um processo de “aburguesamento” dos fazendeiros medianos. Na história argentina, esse pequeno e médio produtor se oporia à oligarquia dos pampas, pois possuía privilégios no abastecimento do mercado interno. Entretanto, houve uma brusca mudança no quadro político do campo, somada a todas as entidades agropecuárias contra o governo. Nesse momento, percebe-se que o governo não queria desestimular a agroexportação, e sim expandir a produção, porém com maior capacidade de intervenção na renda para dar continuidade às políticas sociais de manutenção do consumo e em defesa da burguesia nacional. Assim, conforme Colombini Neto (2016), a intensificação desse conflito provocou a elevação da inflação na Argentina. 

Durante o século XIX, países industrializados, como Grã-Bretanha, tentaram bloquear ou ao menos retardar as chances de outros países de tornarem-se  industrializados, no que os teóricos chamam de “lei da vantagem”4. Mas essa vantagem não durou por muito tempo porque no final do mesmo século, países como Estados Unidos, Alemanha, países asiáticos e países da América Latina que começaram a se industrializar iniciando a prática do protecionismo. Assim como, nos anos 1990, a hegemonia neoliberal se consolidou com pressões político-econômicas  em outros  países, por meio do Banco Mundial e FMI (Fundo Mundial Internacional) (Chang, 2004). 

Além disso, no final do século XX, quando os teóricos argumentavam que o capitalismo finalmente se tornou globalizado, os setores de transporte e comunicacional se  tornaram ferramentas importantes para o capitalismo, criando riqueza, mas também contradições. O conceito de destruição criativa de Schumpeter (1984), causando mudanças estruturais tanto no modo industrial como no mercado de trabalho.

Essa forma de destruição criativa do mercado do trabalho vem se  transformando cada vez mais em incômodo para as economias da América Latina, já que essa  mão de obra sem qualificação, fica desempregada ou investe na Economia Informal. Esse incômodo se torna presente, pois o trabalhador em busca de meios de subsistência migram para o setor informal, um setor desprovido de proteção social e direitos trabalhistas. Essa migração acarreta grandes consequências para o Estado como: aumento dos gastos com segurança social e perda de arrecadação fiscal. De acordo com Frey (2014): “o crescimento econômico de longo prazo depende de muito mais fatores do que um simples aumento na produção das indústrias existentes; implica também em mudanças estruturais no mercado de trabalho.”

FONTE: Imagem de Gerhard Bögner por Pixabay

Na Argentina, o movimento desenvolvimentista, do ponto de vista social, teve muitas vantagens e mudanças para a classe trabalhadora, já que uma das políticas era o  aumento dos salários e aumento do consumo. Segundo Colombini Neto (2016), essa dinâmica causou  mudanças também na forma de luta dos movimentos sociais, como a troca de oponente no jogo social, se unindo ao Estado para se opor à ordem do capital. No entanto, essa dinâmica  não durou muito, o grupo agro exportador com o aumento expressivo do preço das commodities queriam ampliar a exportação, nesse momento de conflito entre governo e grupo agroexportador, a Argentina entrou em crise novamente com aumento da inflação e saída dos capitais estrangeiros. 

CONCLUSÃO

É imperioso notar que no momento de auge do desenvolvimentismo argentino, o  ministro da economia do governo Kirchner não apoiou as medidas ortodoxas das organizações internacionais e obteve sucesso até certo ponto, nessa situação as taxas de desemprego diminuíram substancialmente, mas logo após aumentaram na mesma intensidade, um dos fatores da Economia Informal e demonstrando uma das falhas no seu desenvolvimento apoiar se na agropecuária para melhora da economia. Assim como, no fator destruição criativa do mercado do trabalho a presença do Estado é fundamental o investimento na educação buscando a adaptação da mão de obra às mudanças tecnológicas e não competição, pois segundo Frey (2014), a força de trabalho continuará sendo uma vantagem competitiva em “inteligência social e criativa”.

REFERÊNCIAS

CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo, Unesp, 2004. Itens 2.2 e 2.4. As estratégias de catching-up e Políticas de desenvolvimento industrial: alguns mitos e lições históricas. 

COLOMBINI NETO, Iderley. Auge e declínio do “neodesarrollismo” argentino. Economia e Sociedade, vol. 25, n. 2, 2016, p. 401-428.

DIAMAND, Marcelo. El péndulo argentino: ¿hasta cuándo?. Cuadernos del Centro de Estudios de la Realidad Económica. Argentina, 1985. [1-33].

FREY, Carl Benedikt. A destruição criativa no trabalho. https://veja.abril.com.br/economia/a-destruicao-criativa-no-trabalho/. Acesso: 09 jan. 2021.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro, Zahar, 1984. Cap.VII – O Processo de Destruição Criativa. 

  1. Início do século XX, o qual candidatos como Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner promoveram políticas desenvolvimentistas no Brasil e Argentina, respectivamente. ↩︎
  2. Ha-Joon Chang (2004), aponta que a diferença entre as políticas desenvolvimentistas e ortodoxas está na visão do papel do Estado na economia e no desenvolvimento econômico. As políticas desenvolvimentistas priorizam o desenvolvimento industrial e a intervenção estatal estratégica, enquanto as políticas ortodoxas defendem o livre mercado e o minimalismo estatal.
    ↩︎
  3. Diamand em seu artigo “El péndulo argentino: ¿hasta cuándo?” (1985), explora as oscilações históricas entre políticas econômicas expansionistas e ortodoxas, destacando seus impactos na inflação, no crescimento e na distribuição de renda.
    ↩︎
  4.  Ha-Joon Chang em “Chutando a Escada” (2004), explica o processo de desenvolvimento econômico desigual entre países ricos e pobres. Se baseia na ideia de que os países já desenvolvidos têm vantagens cumulativas que lhes garante posição dominante no sistema internacional. ↩︎

Victória Catarina Nascimento

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *