PACTA SUNT SERVANDA

PACTA SUNT SERVANDA

Para inaugurar a coluna de Direito Internacional do Dois Níveis, apresentamos um texto sobre a base desse ramo do Direito que é imprescindível para regulamentar as Relações Internacionais em um cenário tão plural e heterogêneo. Como toda disciplina acadêmica, o Direito Internacional Público, que será aqui tratado pela sigla “DIP”, tem como fundamento os princípios norteadores de todo seu estudo e atuação. 

No estudo e aplicação do Direito, seja qual for a sua ramificação, os princípios são considerados o alicerce, ou seja, a base de qualquer pensamento que será construído para tornar-se, futuramente, uma norma a ser cumprida. Dessa forma, é imperioso dar esse pontapé inicial discorrendo sobre as bases e reflexões que compõem o ordenamento jurídico internacional. 

​E, pela importância e peso dos fundamentos utilizados na construção das regras das Relações Internacionais, nossa coluna ganhou o nome de um dos princípios mais importantes para o DIP, o princípio de que “os pactos devem ser cumpridos”, em latim, Pacta Sunt Servanda”. Trata-se de um pressuposto reconhecido pela doutrina e jurisprudência como a pedra angular das Relações Internacionais, e consagrado no artigo 26 da Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, de 1969. 

Sendo assim, da mesma forma que a pedra angular representa a primeira pedra assentada em uma construção de forma a definir o alinhamento da edificação, o Dois Níveis inaugura sua coluna de Direito Internacional discorrendo sobre o princípio que inspirou o seu nome e que vai nortear e alinhar a sua aplicação no cenário internacional. Aproveite o texto e boa leitura!

O DIP NA HISTÓRIA

​Cabe aqui uma breve análise das fases históricas do DIP, desde seu período moderno, até o contemporâneo. O período moderno compreende os séculos XV e XIX, que podem ser divido em três fases: 1) desde os primórdios da civilização até a paz de Vestfália (1648); 2) até a Revolução Francesa (final do século XVIII); 3) até o final da Primeira Guerra Mundial. Já o período contemporâneo seguiu as seguintes fases: 1) até a Segunda Guerra Mundial, decorrente do Tratado de Versalhes; 2) após 1945, traduzida na Carta das Nações em decorrência da Guerra Fria; 3) a queda do Muro de Berlim (1989) (Miranda, 2016).

​Fica evidente que os marcos de estudos do DIP acabam por sempre coincidir com conflitos e guerras, ou seja, resta claro que o fato gerador deste ramo do direito é, justamente, as falhas decorrentes das relações em um sistema internacional tão complexo e heterogêneo. Isso ocorre porque, diferente das sociedades nacionais, a comunidade internacional é descentralizada, não havendo um lugar cômodo para valores absolutos e objetivos. Se no âmbito interno o braço do Estado busca garantir a vigência da ordem jurídica, no plano internacional não se encontra um autoridade superior e soberana comum a todos os entes (Rezek, 2022).

Diante da realidade atual da sociedade internacional que testemunha conflitos e dissensões que podem fugir ao controle da comunidade, em razão de seu caráter descentralizado, ​a reflexão feita por Francisco Rezek (2022) se torna pertinente. O autor conclui:

“A igualdade soberana entre os Estados é um postulado jurídico que concorre, segundo notória reflexão de Paul Reuter, com sua desigualdade de fato: dificilmente se poderiam aplicar, hoje, sanções a qualquer daqueles cinco Estados que detêm o poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas.”(REZEK, 2022, p.35)

O CONSENTIMENTO DOS ESTADOS

A reflexão trazida na seção anterior leva à conclusão de que um dos fundamentos do DIP repousa sobre o consentimento dos Estados, garantidos pela soberania e autodeterminação dos países. Uma vez que se tratam de Estados independentes, é natural que haja uma dificuldade em simplesmente se subordinar a normas inerentes a um sistema descentralizado. Deste modo, os Estados irão se submeter a ordem jurídica internacional mediante a sua vontade que será externada e expressa em tratados e convenções internacionais ou na aceitação implícita de costumes internacionais (Gonçalves, 2017). 

Acerca do consentimento como fundamento das relações jurídicas internacionais encontram-se três doutrinas no meio acadêmico de estudos do Direito Internacional: 1) A doutrina voluntarista afirma que a submissão dos estados se dará somente pela sua vontade; 2) A doutrina objetivista prega que as norma de DIP devem ser obrigatórias pelo simples fato da busca pelo bem comum; 3) A doutrina mista, também conhecida como objetivista temperada defende que a celebração dos tratados dependem da vontade dos Estados, mas que, uma vez assinados, se tornam obrigatórios. Este é o fundamento do princípio “Pacta Sunt Servanda” (Gonçalves, 2017).

PACTA SUNT SERVANDA

​Conhecido como o princípio sagrado dos contratos, trata-se de um fundamento presente nos valores de sociedades desde os primórdios da antiguidade, no sentido de garantir que as obrigações assumidas fossem cumpridas. O valor moral de cumprimento da palavra dada era absoluto e imperioso para o bom relacionamento na sociedade, sendo enraizado nos costumes das Relações Internacionais antes mesmo de se pensar na regulamentação das normas.

​A doutrina criada por Dionisio Anzillotti trouxe o fundamento “pacta sunt servanda” para as relações internacionais, sendo consagrada no artigo 26 da Convenção de Viena sobre os tratados, de 1969, que dispõe: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido de boa fé”. Essa Convenção inaugurou a aplicação do DIP aos Tratados Internacionais, trazendo normas regidas, ainda,  sob os princípios do livre consentimento e da boa-fé (Romano, 2018). 

​O Brasil, como signatário da Convenção de Viena, promulgou a sua entrada no ordenamento jurídico nacional através do Decreto n°. 7.030/2009, que traz em seu preâmbulo um resumo do assunto aqui tratado, demonstrando a importância não só do DIP, mas o princípio do “pacta sunt servanda” como pedra angular para a construção e garantia das Relações Internacionais (BRASIL, 2009):

“ (…) Os Estados Partes na presente Convenção, 

Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações internacionais, 

Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam seus sistemas constitucionais e sociais, 

Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa-fé e a regra pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos, 

Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da Justiça e do Direito Internacional,

Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criar condições necessárias à manutenção da Justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados (…). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, fica clara a importância do DIP na busca pela ordem internacional, ganhando cada vez mais impulso mundial diante do acelerado processo de globalização. Sua relevância se demonstra na regulamentação das relações entre Estados ou  Organizações internacionais de modo a garantir o equilíbrio do Sistema Internacional.

 E em relação à aplicação prática do instituto, conclui-se que os entes internacionais têm garantidas a sua soberania e autodeterminação de suas vontades no momento de sua submissão à convenções, mas, no momento que um Estado decide adotar uma norma internacional coletiva, o DIP entra em cena, seja para garantir os direitos dessa relação estabelecida, seja para impor o dever de se cumprir com a palavra dada, ou melhor, com o acordo assinado. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n°. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília, DF:  Diário Oficial da União, 2009. 

Convenção de Viena sobre o direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais. Disponível em: Diário Eletrônico do Senado e do Diário do Congresso (camara.leg.br) Acesso em 06/05/2024.

D. DE ALBUQUERQUE MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 147 a 162.

GONÇALVES, Maria Beatriz Ribeiro. Direito Internacional Público e Privado. 4ª ed. Salvador: JusPodium, 2017. p. 20-21.

MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 6ª ed. Caiscais: principia, 2016. p. 09-18.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.371.

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 18 Ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. 

ROMANO. Rogério Tadeu. O tratado e a reserva no Direito Internacional. Disponível em: O TRATADO E A RESERVA NO DIREITO INTERNACIONAL – Jus.com.br | Jus Navigandi. Acesso em 06/05/2024.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social. Paris:  Flammarion, 2001. p.57

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Priscila Tardin

Luso-brasileira, apaixonada pela África. Profissional do Direito que está se especializando em Relações Internacionais para viver o melhor desses dois mundos. Entusiasta de novos desafios e experiências transculturais, com muita facilidade em comunicação e no aprendizado de novos idiomas.

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