OS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

OS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

Direitos humanos e Direito Internacional Humanitário, dois institutos com nomes tão similares que podem ser objeto de equívoco em um primeiro contato com o tema. Há quem pense que se trata de sinônimos para descrever um mesmo tema, ou mesmo quem interprete como se um fosse ligado ao direito no âmbito interno e outro ao direito na esfera internacional. O texto de hoje busca trazer uma análise do conceito e aplicabilidade dos institutos, de forma a facilitar a compreensão do tema para quem está iniciando a sua jornada nos caminhos do Direito Internacional.

Boa leitura!

UM OU DOIS INSTITUTOS?

Inicialmente, é importante responder essa pergunta fundamental para a correta compreensão do tema. Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e Direito Internacional Humanitário (DIH) não são o mesmo instituto, ou seja, como dito no vocabulário jurídico, eles têm natureza jurídica distinta. Trata-se de dois ramos do Direito que são diversos, mas complementares. Ambos são ramos do Direito Internacional Público que vão tutelar em âmbito geral à proteção da vida, da saúde e da dignidade, a diferença se dará no momento de atuação de cada um.

O Direito Internacional Humanitário (DIH) é aplicável em conflitos armados, enquanto o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) se aplica em todas as circunstâncias, seja em tempos de paz ou de guerra. O DIH vai abarcar disposições de inúmeras questões que estão fora do âmbito do DIDH, como a condução das hostilidades e o status de combatente e de prisioneiro de guerra. Por outro lado, o DIDH protege aspectos da vida em tempo de paz que não estão regulamentados pelo DIH, como, por exemplo, a liberdade de imprensa, o direito de reunião, voto e greve (GUEDES E ADAMI, 2021).

Cabe aqui compartilhar parte do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, positivada pela Organização das Nações Unidas (ONU, 1948):

“Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.”

Da mesma forma, tem-se a definição trazida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV, 1998), responsável pela promoção do DIH:

O Direito Internacional Humanitário (DIH) é um conjunto de normas que busca, por motivos humanitários, limitar os efeitos dos conflitos armados. Protege as pessoas que não participam ou já não participam direta ou ativamente das hostilidades e impõe limites aos meios e métodos de guerra. O DIH também é conhecido como “o direito da guerra” ou “o direito dos conflitos armados”. Faz parte do Direito Internacional Público, composto principalmente por tratados, Direito Internacional consuetudinário e princípios gerais de direito (ver artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça).

TEMPOS DE GUERRA

Como visto anteriormente, o DIH, também conhecido como Direito da Guerra, tem como objetivo a proteção e limitação dos efeitos em tempos de guerra, provocados pelos conflitos armados. Este Direito divide-se em duas normas essenciais: a proteção das pessoas que não participam dos conflitos, ou que deixaram de participar destes, e a restrição dos meios e métodos empregues em combate (ALBUQUERQUE, 1998). Nesse ponto, ressalta-se que essa proteção não abrange atos isolados de violência interna, bem como não busca a regulamentação do uso da força de um estado sobre o seu território. A sua aplicação se dará somente após o início de um conflito e deverá ser aplicada de igual maneira a todas as partes envolvidas, independentemente de como se deu o início do conflito (CICV, 1998).

Emblema do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) [1]

A codificação do DIH moderno está profundamente relacionada com a origem do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), em 1863, cuja pretensão era a proteção e socorro dos feridos e intensificar o olhar e a preocupação com o serviço de saúde nos tempos de guerra, com a salvaguarda de hospitais, médicos, enfermeiros e voluntários. Isso se deu porque Henry Dunant, fundador do CICV, vivenciou uma difícil experiência, ao se deparar com um campo em Solferino, Itália, com cerca de 40 mil soldados mortos ou feridos, abandonados para a morte. Assim, ele iniciou, com seus próprios recursos, um trabalho de assistência aos militares feridos e isso gerou uma onda humanitária que somente foi avançando, até a criação do CICV com o trabalho de formação e voluntários e buscar um acordo internacional para a garantia de direitos durante o tempo de guerra (CICV, 2023).

As ideias de Dunant foram materializadas na primeira Convenção de Genebra, assinada em 1864, onde foi constituída a base do Direito Internacional Humanitário. Naquele ato, foram estabelecidos aspectos fundamentais como a neutralidade das ambulâncias e hospitais militares, impondo a obrigação de respeitá-los e protegê-los em tempo de conflito armado. Essa proteção foi expandida pelas Convenções em Haia (1899) e Genebra (1929, 1949 e 1977), alcançado a humanização da guerra, responsabilidade dos Estados e proteção de vítimas do conflito, civis, prisioneiros e profissionais de saúde.

Primeira Convenção de Genebra original de 1864 [2]

OS DIREITOS HUMANOS EM MEIO AOS CONFLITOS

Analisando os artigos da Declaração Universal de Direitos Humanos, denota-se um princípio geral que norteia em comum todos os fundamentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH): o princípio da dignidade da pessoa humana. E, assim como se faz necessária a garantia deste fundamento em tempos de paz, mais ainda se insurge a necessidade de proteção deste princípio durante períodos de conflitos armados. Isso porque a guerra é capaz de gerar situações extremas de desrespeito aos direitos humanos já positivados. É nesse momento que o DIH e o DIDH se encontram, em que o primeiro viabilizará o caminho para que o segundo seja concretizado.  

A dignidade da pessoa humana pode ser definida como uma qualidade intrínseca e inseparável de todo e qualquer ser humano, sendo considerada a meta principal e permanente da humanidade, do Estado e do Direito, uma vez que sem ela, a pessoa é destruída (CHEREM, 2022). Contudo, ainda que seja vista como um valor absoluto pelas sociedades, quando um conflito ganha força, a dignidade se torna a primeira a deixar de existir, uma vez que no momento da guerra, o olhar das partes belicosas se volta quase que exclusivamente para a vitória sobre o seu oponente, perdendo-se, por vezes, a preocupação com as consequências sofridas pela população civil.

Nesse momento, fica clara a importância da existência de um direito imparcial e apto a olhar para aqueles que não fazem parte do conflito, mas que sofrem duramente por estes. Dessa forma, o DIH irá ao socorro das vítimas, justamente para garantir que sejam respeitados os direitos humanos. Desta forma, confirma-se a relação de complementaridade dos dois institutos aqui estudados, uma vez que a assistência humanitária sempre estará intimamente ligada ao reconhecimento e garantia dos Direitos Humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que em uma situação excecional de guerra, o Estado não pode suspender ou renunciar a determinados direitos fundamentais como direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Trata-se de disposições que precisam ser protegidas de forma integral quando o bem-estar da população corre o risco de ser deixado de lado em razão da existência de um conflito.

Desta forma, quando se busca estudar o DIH e o DIDH, deve-se partir da premissa de sua distinção, somada à sua complementaridade, buscando conhecer o fundamento de cada um dos institutos que mostrará o alvo por eles permeado. Entender essa formação e aplicação vão ajudar o operador do Direito a buscar no Direito Internacional a solução pertinente para cada situação que se possa apresentar nas Relações Internacionais.

REFERÊNCIAS

CHEREM, Mônica Tereza Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. Curitiba: Juruá, 2002.  Pág. 143-144.

COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. 160 anos ao lado da humanidade: um compromisso que transcende o tempo e as modas. Disponível em: 160 anos ao lado da humanidade: um compromisso que transcende o tempo e as modas | Comitê Internacional da Cruz Vermelha (icrc.org) Acesso em 07/06/2024.

COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. O que é o Direito Internacional Humanitário?. Disponível em: O que é o Direito Internacional Humanitário? | Comitê Internacional da Cruz VermelhaO que é o Direito Internacional Humanitário? (icrc.org) Acesso em 07/06/2024.

GARCIA, Marcos Leite; ZAGO, Gladis Guiomar. O Direito Internacional Humanitário como instrumento de proteção da pessoa humana. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.3, n.2, 2008.

GUEDES, Denyse Moreira. Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário: dilemas e desafios no limiar do século XXI. Curitiba: Brazilian Journal of Development, 2021. v.7, n.5, p.44024-44042.

UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: Declaração Universal dos Direitos Humanos (unicef.org) Acesso em 07/06/2024.

IMAGENS

Destaque: Mãos Arame Farpado Apanhado – Foto gratuita no Pixabay – Pixabay

[1] File:Emblem of the ICRC pt.svg – Wikimedia Commons

[2] File:Original Geneva Conventions.jpg – Wikimedia Commons

Priscila Tardin

Luso-brasileira, apaixonada pela África. Profissional do Direito que está se especializando em Relações Internacionais para viver o melhor desses dois mundos. Entusiasta de novos desafios e experiências transculturais, com muita facilidade em comunicação e no aprendizado de novos idiomas.

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