A PROVÍNCIA CISPLATINA: AS INVASÕES LUSO-BRASILEIRAS AO URUGUAI E A PERDA DO TERRITÓRIO (1811-1828)

A PROVÍNCIA CISPLATINA: AS INVASÕES LUSO-BRASILEIRAS AO URUGUAI E A PERDA DO TERRITÓRIO (1811-1828)

Revista das tropas destinadas a Montevidéu, na Praia Grande, por Jean-Baptiste Debret, 1816. D. João VI aparece, ao centro, fazendo a revista das tropas.

Introdução

Durante o período joanino e o reinado de D. Pedro I, o sul do Brasil foi palco para conflitos militares que objetivaram definir qual entidade política seria seu governante, disputas que envolveram o Império Luso-Brasileiro, o Império do Brasil (após a independência de Portugal), os revoltosos artiguistas de Montevidéu, a Espanha e as Províncias Unidas do Prata. No século XIX, em tempos anteriores à emancipação brasileira, Portugal liderou duas invasões contra a Banda Oriental, a fim de consolidar o domínio lusitano naquela região. O sucesso da segunda tornou possível anexar o Uruguai e transformá-lo em uma província brasileira, já durante o governo de D. Pedro I, com o nome de Cisplatina. Para entender como se deu esse processo, e como o território foi perdido, é necessário, em primeiro lugar, entender qual era a política externa do Império Luso-Brasileiro para a América do Sul.

A política externa no Brasil (1808-1821)

Vários acontecimentos políticos e econômicos marcaram o Brasil no início do século XIX, quando o território permanecia politicamente atrelado ao império português desde a elevação do Brasil à condição de Reino Unido, em 1815. A união política entre a Metrópole e a ex-Colônia restringia a condução tanto da política doméstica quanto da externa ao monarca português. Essa condição de unidade política entre o Reino de Portugal e o Brasil ocorreu após a chegada de D. João, o príncipe regente, e a Corte de Lisboa à América portuguesa. A Abertura dos Portos (1808), evento que liberou o comércio brasileiro com outros países, foi o primeiro passo para o Brasil perder o status de colônia, momento quando D. João decidiu liquidar o exclusivo metropolitano que monopolizava o mercado brasileiro para os portugueses (Basile, 2016). 

Após isso, restava apenas resolver a condição política que restringia a participação dos brasileiros na condução dos assuntos do território colonial. Em relação a isso, as influências externas foram determinantes para que D. João terminasse a longa relação Metrópole-Colônia. O Congresso de Viena (1815), no qual várias decisões foram tomadas em uma reunião entre os países europeus, após a derrota de Napoleão Bonaparte, incluía a deliberação acerca do “princípio de legitimidade”, que exigia a restauração das dinastias reinantes na Europa antes da Revolução Francesa (Burns, 2001). Como forma de contornar essa resolução, e continuar sediado no Rio de Janeiro, D. João decidiu elevar o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. A elevação liquidou o status de colônia, mas manteve a unidade política entre os lusitanos e os brasileiros. O Brasil, assim, permanecia sendo governado por um rei português e estava incluído a um Império que, a partir de então, se transformava no Império Luso-Brasileiro.

A política externa, apesar disso, seguia sendo elaborada por um português. Segundo Ricupero (2011), a política exterior no período pré-independência deve ser identificada como expressão das relações internacionais no Brasil e não do Brasil. As decisões acerca das questões estrangeiras, portanto, ainda não eram tomadas por brasileiros, mas por portugueses. Com isso, D. João adotou dois eixos principais para sua abordagem internacional: As invasões aos territórios ultramarinos da França e da Espanha na América do Sul, países que haviam invadido Portugal pouco tempo depois da transferência da Corte para o Brasil (Ricupero, 2011). Agora, na sua antiga colônia, o rei português poderia desferir ataques contra aqueles que ameaçaram, e ainda ameaçavam, a integridade do seu território europeu, protegido pelo extenso oceano Atlântico.

Como interessa o artigo as invasões luso-brasileiras ao Uruguai, o foco são os territórios espanhóis nas áreas próximas ao foz do Prata. Antes de tratar da primeira invasão à Banda Oriental, faz-se necessário explicar a conjuntura política do antigo Vice-Reino do Prata.

A primeira invasão ao Uruguai (1811-1812)

O Vice-Reino do Prata era uma divisão administrativa da América espanhola, abrangindo os territórios dos atuais Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com sede em Buenos Aires. No começo do século XIX, a Inglaterra fazia guerra contra a França, no período das Guerras Napoleônicas, quando a Europa continental foi impedida de comercializar com os ingleses sob ameaça de agressão francesa. Em suma, a estratégia de Napoleão era enfraquecer a Inglaterra, seu principal rival. A Espanha, aliada da França, foi atacada por tropas britânicas no continente sul-americano, quando duas expedições inglesas foram enviadas para ocupar Buenos Aires (1806) e Montevidéu (1807), ambas fracassadas. O resultado da vitória contra os ingleses deu aos portenhos, os habitantes de Buenos Aires, a consciência de que poderiam defender seus próprios interesses sem a ajuda da Metrópole (Doratioto, 2014). O que acontecia na Europa foi, dessa maneira, catalisador para o processo de independência de Buenos Aires e Montevidéu.

Oportunamente, o processo de emancipação das colônias espanholas na região do Prata contribuiu para a ocupação portuguesa da Banda Oriental. Cinco dias após a chegada da família real ao Brasil, D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Guerra e Estrangeiros, confrontou o Cabildo Abierto de Buenos Aires, um conselho municipal, e ofertou uma proteção contra ameaças que poderiam surgir contra o Vice-Reino. Rivais e suspeitos das intenções de D. João, a proposta foi rejeitada tanto pelo Cabildo quanto pelo vice-rei Santiago Liniers. A Montevidéu, no entanto, foi dada a autorização da Espanha para aceitar a ajuda portuguesa quando os resultados da Revolução de Maio (1810) deporam Liniers e instituíram uma junta submetida ao rei espanhol prisioneiro, Fernando VII. Este monarca fora usurpado do trono após uma invasão francesa que colocou no lugar o primo de Napoleão, José Bonaparte, como governante da Espanha (Ricupero, 2011).

Por meio da ajuda de Portugal, Montevidéu foi defendido das forças portenhas, estas sob o comando do chefe oriental José Gervásio Artigas. Dessa maneira, a ocupação lusa é consolidada na Banda Oriental, até que um armistício de 1812, imposto pelo Visconde de Strangford, ministro inglês, obrigou que D. João retirasse suas tropas do Uruguai (Ricupero, 2011). Terminou, assim, a primeira invasão luso-brasileira à Banda Oriental.

A segunda invasão (1816-1821)

A retirada das forças lusitanas do território uruguaio facilitou a tomada de Montevidéu por Artigas. Em 1814, o líder oriental fundou a Liga dos Povos Livres, uma república federal e socialmente reformista que reuniu apoio dos setores mais pobres e da população rural. A atuação de Artigas no norte do território, o seu ideário democrático e o sucesso de seu movimento revolucionário se tornaram um obstáculo para o projeto de império de D. João (Doratioto; Vidigal, 2015). A necessidade de estancar a onda artiguista do Prata, retomar as áreas de terra perdidas para Artigas, as dificuldades de controlar os rios platinos que chegavam ao Mato Grosso e o projeto histórico de consolidar o limite territorial brasileiro na margem oriental da foz do Prata, foram as razões para que as forças joaninas invadissem, mais uma vez, a Banda Oriental (Ricupero, 2011).

O fim da grande guerra contra Napoleão não somente diminuiu a dependência de Portugal em relação à Inglaterra, este país que defendia o território português dos espanhóis e franceses e era contra o expansionismo português em direção ao foz do Prata, bem como colocou a disposição de D. João mais tropas para serem investidas em seu projeto na Banda Oriental. Outro evento favoreceu a intervenção lusa no Uruguai: a proclamação da independência das Províncias Unidas do Prata, atual Argentina, pelos rivais de Artigas (Ricupero, 2017). Os luso-brasileiros, assim, não temeriam reforços de Buenos Aires em socorro a Montevidéu.

As tropas foram comandadas pelo tenente-general português Carlos Frederico Lecor. Os primeiros combates aconteceram no sul do Brasil, seguidos pela invasão das forças de Lecor à Banda Oriental e, por fim, a ocupação de Montevidéu em janeiro de 1817. O conflito seguiu-se por mais três anos, até a derrota final de Artigas em 1820, que fugiu para o Paraguai, onde morreu em 1850, sem nunca ter retornado ao Uruguai (Doratioto, 2014).

Com a pretensão de manter suas tropas na Banda Oriental, Portugal justificava sua presença no território reivindicado pela Espanha como uma medida pacificadora. Contra os revolucionários de Artigas, os luso-brasileiros estariam ali, segundo D. João, para ajudar os espanhóis. Essa posição não convenceu seus rivais ibéricos. A Espanha reclamou e recorreu ao Concerto Europeu – sistema de soluções concertada para os problemas europeus, que incluía Inglaterra, França, Rússia, Áustria e Prússia. Por meio da mediação dos Cinco Grandes, chegou-se a um acordo com os portugueses para a devolução da Banda Oriental mediante várias condições, incluindo o pagamento de indenização de 7,5 milhões de francos por parte dos espanhóis. Estes tentaram atrasar o pagamento enquanto organizavam uma expedição militar com o objetivo de reconquistar a Banda Oriental. A questão do território foi adiada por uma disputa interna, a revolução liberal espanhola de 1820, orquestrada pelas tropas que participariam do ataque (Ricupero, 2011).

A província da Cisplatina, atual Uruguai, e os principais locais de batalha, povoações e fortes durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828). Foto: Universidade Federal do Paraná.

A Guerra da Cisplatina (1825-1828)

A Banda Oriental foi anexada por D. João VI em 1821, com a designação de Província Cisplatina. Em 1823, após a independência do Brasil e a coroação de D. Pedro I como Imperador, as Províncias Unidas tiveram seu pedido negado acerca da retirada das tropas brasileiras da Banda Oriental e da devolução desse território para Buenos Aires. Em 1825, um grupo de revoltosos portenhos liderados por Juan Antonio Lavalleja, os Treinta y Tres Orientales, desembarcaram na Cisplatina e iniciaram uma luta contra a dominação brasileira. O governo de Buenos Aires não tinha ciência da operação de Lavalleja, mas o Congresso argentino, em outubro do mesmo ano, aceitou o pedido de incorporação da província às Províncias Unidas (Doratioto; Vidigal, 2014).

Após esses acontecimentos, o Brasil declarou guerra contra as Províncias Unidas em dezembro de 1825, o que trouxe uma série de perturbações aos brasileiros. A primeira foi o alto custo do conflito para os cofres públicos já exauridos. A segunda foi o interrompimento do abastecimento, e por consequência o aumento dos preços, de gado bovino e muar do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A terceira, por fim, foi o grande aumento do recrutamento militar, o que tinha reprovação da população. Mesmo com essas medidas, o Brasil não conseguiu evitar o fracasso da operação militar na Banda Oriental (Basile, 2016).

O juramento popular à primeira Constituição do Uruguai, 1830, por Juan Manuel Blanes, 1872.

A marinha brasileira triunfou em face dos navios mercantes da Argentina, as tropas terrestres do Império, por outro lado, não conseguiram a vitória contra a ofensiva dos portenhos no interior da Banda Oriental. Apesar disso, o resultado da guerra foi um impasse militar. Ambos os lados não conseguiram impor vitória decisiva contra o outro (Doratioto; Vidigal, 2014). Além disso, o confronto foi uma catástrofe financeira para ambos os governos (Fausto, 2019). Em 1828, as forças argentinas não tinham condições para expulsar o Exército imperial de Montevidéu, e as tropas de D. Pedro não conseguiam recuperar o interior da Cisplatina (Doratioto; Vidigal, 2014).

A paz foi alcançada por meio da mediação inglesa, parte interessada em cessar o conflito que prejudicava seu comércio no Prata. O tratado que garantiu o fim das hostilidades, também fez surgir um Estado independente, o Uruguai, e estabeleceu a livre navegação do Rio da Prata e de seus afluentes. Esta última decisão também interessava ao Brasil, pois a navegação fluvial era a principal rota para o Mato Grosso (Fausto, 2019). Em 27 de agosto de 1828 foi assinada a Convenção Preliminar de Paz, pela qual nasceu a República Oriental do Uruguai, cuja integridade como Estado soberano foi garantida, em acordo, pela Inglaterra, pelo Brasil e pelas Províncias Unidas (Doratioto; Vidigal, 2014).

Conclusão

A motivação inicial para as invasões tanto portuguesas quanto luso-brasileiras ao Uruguai foi o objetivo histórico de transformar a margem oriental do Prata em limite territorial do sul do Brasil. A Colônia de Sacramento, fundada em 1680 pelos portugueses próxima a esse rio, reflete o desejo de Portugal de controlar uma parte do foz do Prata. Outras causas surgiram para a consolidação dessa aspiração, como a pretensão de D. João de invadir as colônias espanholas em retaliação pela invasão da Espanha a Portugal na Guerra das Laranjas (1801) e o controle do acesso fluvial ao Mato Grosso. Esse desejo foi realizado por um curto período, e a Província Cisplatina não só apenas revelou ser um desafio militar para D. Pedro I, mas também um político, quando a crise em andamento de seu governo foi aprofundada pelas decisões tomadas pelo Imperador acerca da Guerra. O prolongamento inútil do conflito e o recrutamento de pessoas pobres sem experiência militar contribuíram para o agravamento da crise política que obrigou Pedro I a abdicar ao trono em 7 de abril de 1831.

Referências

BASILE, Marcello Otávio N. de. C. História Geral do Brasil. Maria Yedda Leite Linhares (org.). 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2016.

BURNS, Edwards McNall. História da Civilização Ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais – v. 2. 40. ed. São Paulo: Globo, 2001.

DORATIOTO, Francisco. O Brasil no Rio da Prata (1822-1994). 2. ed. Brasília: FUNAG, 2014.

DORATIOTO, Francisco; VIDIGAL, Carlos Eduardo. História das Relações Internacionais do Brasil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

RICUPERO, Rubens. Crise Colonial e Independência. Lilia Moritz Schwarcz (org.). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2011.

Gabriel Moncada Xavier

Estudante de Relações Internacionais e experiente em simulações da ONU. Sou curioso e quero olhar para o mundo com todas as lentes possíveis. Gosto de diplomacia, política externa, organizações internacionais e Direitos Humanos.

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